Análise do filme “Avatar”: criadores, suas criaturas e a ética da vida

Rosângela D. Canassa

 

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Cartaz do filme

Avatar (2009) nos conduz por um mundo espetacular além da imaginação onde um herói embarca numa aventura e acaba lutando para salvar o mundo extraterrestre que conheceu e aprendeu a conviver chamado Pandora, que pertence ao planeta chamado Polifemos, ambos são fictícios. Esta lua possui uma selva exuberante, com animais, plantas exóticas e montanhas flutuantes, mas o ar é letal para os humanos.

O longa-metragem assinado por James Cameron e é o filme mais visto mundialmente, nos últimos tempos e elimina os limites entre os efeitos em 3D e as imagens criadas no computador. (Revista Mente&Cérebro, 2010, p. 70).

 

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Montanhas flutuantes em Pandora

 

Um grupo de cientistas quer explorar um raro minério que se encontra em Pandora e que pode solucionar a crise energética na Terra e instalaram lá, o Programa Avatar. Este Programa trata-se da construção dos “condutores” que são humanos e que têm a sua consciência ligada a um avatar, um corpo biológico controlado à distância e capaz de sobreviver nesse ambiente tóxico.

Os pensamentos dos humanos são introduzidos no corpo do avatar, que são seres híbridos e geneticamente produzidos com DNA humano e DNA dos nativos de Pandora, que a engenharia genética permitiu esta fusão.

O soldado Jake Sully, um ex-fuzileiro naval confinado a uma cadeira de rodas é convocado a substituir seu irmão que fazia parte da equipe do Programa Avatar e faleceu.

 

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Jake (Sam Worthington)

Jake recebeu a missão de se infiltrar entre os Na´vi, população de Pandora, que se tornara um obstáculo à extração de minério,  considerando que a ocupação dos alienígenas está justamente no local onde se encontra o minério raro e que vale uma fortuna.

Os trabalhos dos cientistas iniciam e a nave do grupo pousa em Pandora. Os tripulantes descem para explorar o local, mas Jake acaba se perdendo na mata e luta sozinho contra vários animais selvagens.

 

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Jake e sua luta contra os animais selvagens e alienígenas

 

A nativa Neytiri, uma bela Na´vi, ajuda-o a lutar contra os animais e daí inicia uma relação de amizade que depois se transforma numa grande paixão entre os dois.

 

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A nativa Neytiri (Zoe Saldana)

 

Jake ao ser acolhido pelo clã de Neytiri aprende a ser um deles, depois de passar por um ritual de iniciação. A nativa servirá como sua iniciadora, para a sua adaptação na civilização alienígena.

Os Na`vi são seres humanoides, primitivos, com capacidade física maior que os humanos, com 3 metros de altura.

O diretor possibilitou a criação de um idioma artificial, a língua Na`vi, criada especialmente para o filme. James Cameron iniciou o roteiro do filme no ano de 1994.

 

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Os pássaros de Jake e Neytiri

 

Em Avatar é difícil perceber qual é o tempo presente na narrativa, mas me parece muito com um sonho. Jake deita-se numa cama, que na verdade é uma máquina e cada vez que ele fecha os olhos, o protagonista participa das aventuras em Pandora. O soldado sente de forma verdadeira as reações físicas e todos os sentimentos, como numa experiência onírica.

O mundo real (terreno) se mistura com o mundo paralelo (de Pandora) e  Jake percebe que a sua vida em Pandora é mais gratificante, porque está apaixonado por Neytiri. E ao assumir o corpo do seu avatar lhe causa muito prazer, porque nesta nova forma física, ele pode voltar a andar e a correr.

Mas, Jake sabe que tem que conviver com sua realidade na Terra, ele é um soldado que precisa retirar a população nativa daquele lugar, onde se encontram os minérios debaixo da terra.

 

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Jake no momento de caça

A Bioética: ética da vida

Sabemos que a Bioética é uma área de conhecimento nova e só saberemos como o  Programa Genoma Humano vai se desenvolver  a partir do momento que começarem a surgir os resultados das experiências em andamento. Estas descobertas recentes na medicina, na biologia e na engenharia genética podem mudar profundamente nosso modo de existência.

O termo “bioética” pode ser etimologicamente definido como “ética da vida”. O bioeticista chileno Miguel Kottow define mais precisamente esta palavra como a ética aplicada aos atos humanos que podem ter consequências irreversíveis sobre os próprios homens ou sobre qualquer ser vivo. Embora não haja um consenso sobre o marco oficial que dá inicío ao nascimento da Bioética, a obra “Bioética: Ponte para o Futuro”, lançada em 1971, pelo biólogo norte-americano Van Rensselaer Potter (1911-2001), inaugurou o termo. (revista Filosofia, 2010, p. 8)

No Brasil, atualmente, existem pesquisas que envolvem a Bioética, como os trabalhos em torno da transgenia (campos dos alimentos); os debates que estão ocorrendo sobre as células-tronco e suas implicações éticas e religiosas.

A Bioética passou, então, a ter preocupação com a vida humana e com a dimensão moral das pesquisas científicas, bem como, em relação às condutas médicas. O desafio consiste em fazer com que todas as ciências dialoguem, não somente em busca de avanços técnicos, mas também eminentemente humanos. (revista Filosofia, 2010, p. 8)

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Jake e o seu avatar

 

As pesquisas científicas devem atender às necessidades de toda a nossa sociedade e não apenas em setores privilegiados, que dispõem de condições econômicas para desfrutar dos resultados. A ciência tem que estar a favor da vida e não de interesses econômicos de grupos ou instituições como nos mostra o filme Avatar.

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Dra. Grace e Jake

 

A Bioética deve atender à crescente exigência social no que se refere ao controle dos programas de engenharia genética. Enquanto que, o estudo do programa genético do nosso corpo pode evidenciar as doenças que ele pode vir a ter no futuro, portanto é virtual. O corpo está sob as luzes dos refletores.

O filme Avatar  traz a discussão da utilização de cobaias humanas para pesquisas, bem como,  a questão a criação da vida, como por exemplo, Jake e o seu avatar, que fazem parte do Programa dos cientistas.

Vejamos o caso do protagonista que foi mutilado numa missão e vive numa cadeira de rodas, que dificulta o seu trabalho como soldado. Sem poder contar com o seu corpo, ele conseguiu prorrogar a sua “aposentadoria” porque possui o mesmo genoma de seu irmão chamado Tom, que era um cientista e que também fazia parte do Programa de Pandora.

Jake foi escolhido entre tantos por seu genoma e não por suas capacidades físicas ou por seu intelecto. O nosso genoma é imutável e involuntário e cada um tem o seu, portanto, ninguém mais poderia ser selecionado para este missão, a não ser Jake, será que isso é correto?

Em contrapartida, era para ele ser descartado do seu ambiente de trabalho como soldado considerando ser deficiente físico, embora tenha conseguido alcançar os seus objetivos em Pandora, graças ao seu avatar para poder ganhar a guerra,  o que é muito positivo.

Ao ser selecionado pelo genoma, a meu ver, é o mesmo que o indivíduo ser escolhido pelas características físicas, loiro, moreno, magro, ou seja, não depende da sua vontade ou capacidade física e/ou intelectual.

Minha conclusão é que o conhecimento científico deve continuar as pesquisas, sem querer modificar a natureza humana, por meio da antecipação que vai acarretar em novos problemas e indagaremos se queremos algo, sem antes termos a chance de ter experimentado. Não se trata de uma adaptação da realidade, mas teremos que nos adaptar à técnica, este é o verdadeiro problema.

 

 

A LEI DA BIODIVERSIDADE

 

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Árvore dos nativos de Pandora

 

A Biodiversidade também é um tema importante e no Brasil, com a lei federal de biossegurança promulgada em 2005, é um grande avanço e a lei propõe mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, etc, para a segurança e proteção da vida vegetal, animal e da saúde humana.

Em Pandora encontra-se a exuberante Ewa, a deusa dos nativos, uma divindade em forma de uma grande árvore, que metaforicamente é a própria natureza que os protege. Toda a energia da natureza que eles recebem posteriormente serão devolvidos à terra, que propicia um equilíbrio entre os nativos e o ambiente em que vivem. A árvore dos espíritos se encontra no Jardim das Preces onde o povo pede a seus ancestrais muita proteção.

Mas, o grupo de cientistas preocupados em extrair o minério raro que se encontra debaixo desta magnífica árvore coloca fogo em tudo e extermina uma grande área verde, bem como, acaba com as esperanças da população de Pandora, em nome do Programa Avatar.

Mesmo sendo uma população de alienígenas não devemos respeitar os direitos humanos e/ou seres vivos e a liberdades em sua totalidade?

O filme me suscitou esta outra pergunta e concluí que os interesses e o bem-estar do indivíduo (ou outro ser vivo) deve ter prioridade sobre os interesses da Ciência.

A matéria viva é formada por aminoácidos organizados em proteínas. Até o século XIX acreditava-se que seres vivos poderiam surgir da matéria não viva mediante geração espontânea. Aristóteles achava que insetos e até roedores brotavam da matéria em decomposição. O cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) encarregou-se de desmentir essa ideia. Mas no livro A origem da vida (1924), o pesquisador russo Alexander Oparin sustentava que algo semelhante à geração espontânea talvez tivesse acontecido em um passado remoto, um “caldo primitivo” de moléculas orgânicas originando em seres vivos muito rudimentares. A Rússia estava no início do regime comunista e as ideias anticriacionistas eram estimuladas pelo regime. (Revista Mente&Cérebro, 2010, p. 82)

Hitler embasou suas ideias na seleção natural do mais forte, porém, o mais fraco deveria ser destruído (judeus). A desvirtualização da ideia de Darwin da seleção das espécies foi um trampolim para o genocídio, infelizmente.

As ideias anticriacionistas são aquelas que derivam da seleção natural e da evolução das espécies, conforme Darwin descreveu em seus trabalhos.

Evolução é a ideia de que as espécies sofreram transformações no decorrer das gerações. Segundo Darwin, os que se adaptam a realidades diversas ao ambiente têm mais possibilidade de sobrevivência. E aqueles com capacidades limitadas de adaptação, desaparecem. (revista Filosofia, 2010, p. 7)

 

O DESLOCAMENTO DO EU EM AVATAR

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Cartaz do filme

 

Jake vive em dois planos diferentes, o da realidade e o plano paralelo, até conseguir se infiltrar no clã dos nativos e conseguir as informações sobre o local exato onde se encontra o minério. E neste vai e vem, com seu próprio corpo ou em um avatar, Jake e sente-se confuso e diz: - Eu não sei mais quem sou!

A meu ver, o protagonista pode ser um exemplo do sujeito atual, na medida em que ele é despossuído de si, porque a  sua verdade reside em seu corpo e não mais em seu inconsciente.  O seu “eu” está perdendo a memória psíquica e corporal, onde residem as suas experiências emocionais. O seu avatar faz esta substituição.

Os avatares são construídos como seres híbridos (DNA humanos e DNA dos Na`vi) e nasce um outro ser que não é nem humano e nem um Na´vi.

Estas técnicas novas vêm produzindo uma nova imagem do sujeito que o afasta do que o definia na Modernidade. O homem atual se apresenta “inacabado” porque a sua memória é a genética e não mais a memória psíquica, o que acarreta no deslocamento do “eu”.

Pergunto se a memória psíquica (inconsciente) pode ser resgatada em um corpo estranho (híbrido), na medida em a consciência é marcada pelo desejo inconsciente, que se abriga num corpo natural.   

A neurociência também corrobora, na medida em que estuda o nosso cérebro em funcionamento visando detectar a ação das substâncias químicas que supostamente regulam nosso comportamento, ou seja, o nosso comportamento é que originado conforme nossa personalidade, agora a sua origem será nas substâncias químicas.

A escritora Fernanda Bruno nos explica que, na atualidade, com a aliança das tecnologias biomédicas (epidemiologia e genética) com os meios de comunicação, a verdade do sujeito não está mais nas instâncias psíquicas, onde residem sua verdade, mas sim, no poder individualizante e centrada na vida e na saúde dos homens. Na Modernidade o indivíduo deveria se conhecer melhor para viver melhor e na contemporaneidade, a medicina é que detém o poder de nos informar, mais do que curar. Vivemos numa busca incessante pela saúde, pela longevidade. O que está em jogo é a vida e a morte do indivíduo. O futuro que a medicina nos apresenta é temerária ao colocar as virtualidades do corpo, nos coloca toda a responsabilidade sobre nós mesmos. Tudo depende de nós, como se isso fosse voluntário. Inaugura-se a era do bio-poder, onde a tecnologia do poder torna-se um mecanismo de regulação das populações e de adestramento dos indivíduos, onde a sexualidade ocupava lugar de destaque na Modernidade. A tecnologia do bio-poder se encontra nos meios de comunicação, que oferecem os “cuidados” com os indivíduos. É o espaço aberto dos meios de comunicação que tal apelo tem lugar. (Bruno, 1997, p. 115)

Desta forma, o nosso “eu” deslocou-se, procurávamos a nossa verdade no nosso inconsciente, agora procuramos nos nossos genes, na visão da autora.

Na Modernidade, o nosso “eu” era hermeticamente fechado e só revelado a um terapeuta. As técnicas eram a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise. Estas áreas de conhecimento servem para o sujeito se comunicar e descobrir quem é, de forma simultânea. Hoje, a verdade é encontrada por meio da epidemiologia, que é o estudo das determinações e dos determinantes das doenças e outros problemas de saúde nos humanos. A doença que o indivíduo pode desenvolver e o seu modo de vida (alimentação, exercícios físicos, stress, etc). A mídia divulga tudo e mostra como nossos genes podem decifrar as nossas doenças físicas e mentais, segundo Bruno.

Na atualidade, o indivíduo tem grande preocupação com o seu corpo porque agora a ética do físico é da genética e do genoma.

Com o deslocamento do “eu” psíquico para o “eu” físico, este novo enfoque nos proporciona uma mudança em nossa identidade ao nos permitir ser outro, quando alteramos nosso corpo físico. Como Jake resolveu escolher o corpo do avatar ao invés de seu corpo original Mas, ficou confuso porque o que o definia de verdade não são seus genes, mas o seu consciente e inconsciente, dentro de um ambiente e de uma cultura.

O corpo enquanto lugar de unidade e totalidade encontram-se as instâncias do soma, psiquismo e inconsciente. Além disso, o homem se molda não só pelos genes, porque ele é um ser bio-psico e socio-cultural.

Hoje, a mídia divulga a todo o momento como os nossos genes podem decifrar as nossas doenças que se tornam públicas. Por exemplo, no caso de Jake o que se passa na sua cabeça ele registra no seu diário virtual e acaba sendo revelado para todos da tripulação. O seu interior passará a ser conhecido por todos, porque suas experiências são programadas e publicadas.

Em Avatar além da beleza estética, o filme também propõe estas reflexões no campo da Bioética. Cabe a Ciência agora gerir os efeitos do que fazem no presente, o que requer cuidado, atenção e controle, sendo uma nova área que pode trazer à humanidade muitos benefícios.

Mesmo sendo da mesma espécie, não somos todos iguais. Os seres humanos têm diferentes biotipos, uns negros, loiros, outros altos ou baixos, etc...

Em relação ao deslocamento do “eu”, da passagem do plano da identidade e do desejo, para o plano da ação, da programação e do cálculo, ao invés de perguntarmos – Quem sou eu? Pergunta-se agora: - Quem posso vir a ser?

Diante das imagens médicas das interioridades do sujeito, como o mapeamento cerebral, por exemplo, se coloca a questão do nosso eu que é formatado a partir das informações que nos chega e não mais nas nossas experiências infantis, modo de vida e influencia do meio ambiente e da nossa cultura.

Pergunto: Como ficará nosso porvir?

Seremos um sujeito inacabado e à espera de um novo gene que poderá nos conduzir a um caminho, como um oráculo do nosso próprio organismo e que deverá indicar à cada novo dia, novas informações sobre nosso corpo e sobre nós mesmos. Seremos fragmentados, por não estarmos completos e sem as nossas singularidades que nos diferencia do outro e que ficaram obscuras diante de tantas especulações médicas. A nossa interioridade passa a ser visível como a tela de um computador, programável e publicável. Passamos do consciente/inconsciente para o atual/virtual.

Estas transformações profundas no nosso “eu” aliadas aos saberes médicos, mediados pelas técnicas biomédicas e aos meios de comunicação substituem as ciências do homem.

O corpo agora é regido pela genética, que evidencia todas as nossas enfermidades que possamos a ter no futuro e pelo genoma que contém todas as nossas características físicas e mentais (predisposições genéticas).

O sujeito contemporâneo a partir das técnicas bioéticas ficará à mercê das flutuações de sua plasticidade, que vai se constituindo pelas suas virtualidades (predisposição genética e outros) anunciadas pelo seu médico ou pela mídia.

O que está em jogo é a nossa mutação e que nos faz perguntar: - Queremos ser outra pessoa?

“Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! “

(trecho do poema TABACARIA – Fernando Pessoa)

Referência bibliográfica:

1) BRUNO, Fernanda. Do sexual ao virtual. São Paulo: Unimarco Editora, 1997.

2) Pessoa, Fernando. Poesias. Porto Alegre: L&PM, 1996.

3) Revista Mente&Cérebro, 2010

4) Revista Filosofia, 2010.

Ficha técnica:

Título: Avatar

Direção: James Cameron

Ano: 2009

País: EUA

Elenco: Sam Worthington (Jake Sully), Zoe Saldana (Neytiri), Sigourney Weaver (Dra. Grace Augustin), Michelle Rodriguez (Trudy Chacon), Stephen Lang (Coronel Miles), Giovanni Ribisi (Parker)

Gênero: ficção científica

DVD – 166 minutos – Fox Film

Oscars: melhor filme, direção, fotografia, efeitos visuais e direção de arte.

Imagens:

www.google.com.br

Comentários

Unknown disse…
Excelente Artigo me ajudou muito!
Olá Nayara como minha análise ajudou você? Interessante saber... abraços.

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